Ensinar empatia às crianças pode parecer um desafio. Como é que se ensina alguém a "sentir com o outro"? Não basta dizer “põe-te no lugar do outro” — é preciso mostrar, praticar e criar experiências que permitam às crianças desenvolver esta competência essencial.
A empatia é uma das bases da inteligência emocional. Está associada a relações saudáveis, melhor comportamento social, menor agressividade e maior sucesso académico e profissional. E, felizmente, a empatia aprende-se. Este artigo apresenta estratégias práticas, simples e baseadas em evidência científica para ajudar pais, educadores e cuidadores a ensinar empatia às crianças de forma natural e eficaz.
O Que É Empatia, Afinal?
Empatia é a capacidade de compreender e partilhar os sentimentos do outro. Não significa apenas perceber que alguém está triste, mas também sentir essa tristeza com ele, ainda que em menor intensidade.
O filósofo Peter Goldie define empatia como “o processo de imaginar o que outra pessoa está a sentir, mantendo a distinção entre o próprio e o outro”. Não se trata de nos confundirmos com a dor alheia, mas de reconhecê-la, valorizá-la e responder de forma compassiva.
Pensa na empatia como um “músculo emocional”. Tal como os músculos do corpo, a empatia precisa de ser exercitada para crescer. Não basta saber que existe — é preciso praticá-la todos os dias, em pequenas interações. Outra analogia útil é imaginar que cada criança tem uma “antena emocional”. Quanto mais a ajudamos a afinar essa antena, mais facilmente ela deteta os sinais emocionais dos outros — uma lágrima escondida, uma expressão de raiva, um silêncio desconfortável. Ensinar empatia é, no fundo, ensinar a sintonizar com o outro.
Por Que Ensinar Empatia às Crianças É Tão Importante?
Um estudo longitudinal conduzido pela psicóloga Nancy Eisenberg demonstrou que crianças que demonstram maiores níveis de empatia apresentam menos comportamentos agressivos, mais capacidade de resolução de conflitos e relações interpessoais mais positivas. A empatia, segundo os investigadores, protege contra comportamentos de bullying e isolamento social.
Além disso, a empatia desenvolve-se desde cedo. Bebés de 1 ano já demonstram sinais de empatia rudimentar — por exemplo, quando choram ao ver outro bebé a chorar. Mas para que esta empatia natural se torne uma competência sólida, é preciso prática, modelos e orientação.
Estratégias Práticas Para Ensinar Empatia às Crianças
1. Dar o Exemplo: Empatia Começa em Casa
As crianças aprendem principalmente através da observação. Se queremos ensinar empatia, temos de ser modelos empáticos. Quando um pai ou mãe escuta com atenção, valida sentimentos e responde com respeito, está a ensinar, mesmo sem palavras. A forma como tratamos os outros — familiares, vizinhos, desconhecidos — envia uma mensagem poderosa. Se a criança vê os adultos a demonstrar compaixão e consideração, mais facilmente adotará esse comportamento.
👂 Exemplo prático: Quando o teu filho te interrompe durante uma tarefa, em vez de responder com irritação, tenta dizer “percebo que queres mostrar-me algo importante. Dá-me só um minuto e já vejo contigo.” Isto ensina escuta, paciência e respeito mútuo.
2. Nomear Emoções: Começar Pela Linguagem Emocional
Uma criança que não sabe o nome da emoção que sente terá dificuldade em reconhecê-la nos outros. Ensinar palavras como “tristeza”, “desilusão”, “insegurança” ou “alívio” amplia o vocabulário emocional e promove a consciência empática.
Usar um “termómetro emocional” ou criar um mural de emoções em casa ou na sala de aula pode ser uma ferramenta visual útil. Assim, as crianças vão aprendendo a ligar palavras às sensações que vivem no corpo e às expressões faciais que observam nos outros.
📖 Atividade sugerida: Utiliza livros infantis com expressões faciais ou cenas emocionantes. Pergunta: “O que achas que esta personagem está a sentir? Já te sentiste assim?”
Estudos como o de Susanne Denham da George Mason University, mostram que crianças com vocabulário emocional mais desenvolvido têm maior capacidade de empatia e cooperação com os colegas.
3. Brincar ao “E se fosse eu?”
Jogos de role-play (faz-de-conta) são ótimas formas de ensinar empatia às crianças. Através da dramatização, elas exploram diferentes pontos de vista e colocam-se no lugar do outro. Fingir ser outra pessoa ajuda a criança a imaginar como é estar naquela situação — uma ferramenta poderosa para desenvolver empatia cognitiva e afetiva.
🎭 Exemplo: Cria cenários simples — “A Maria está triste porque perdeu o brinquedo preferido. O que podíamos fazer para a ajudar?” — e deixa a criança responder. Podem também trocar de papéis e repetir a situação com diferentes desfechos.
Esta estratégia está em linha com os estudos de Martin Hoffman, psicólogo conhecido pelo seu estudo sobre o desenvolvimento da empatia em crianças, que defende que a empatia se desenvolve mais facilmente quando a criança é exposta a dilemas morais e emocionais através de histórias e encenações.
4. Validar os Sentimentos dos Outros
Ensinar empatia também é ajudar a criança a reconhecer que os sentimentos dos outros são válidos, mesmo quando diferentes dos seus. É muito comum as crianças invalidarem os sentimentos umas das outras (“Isso não é nada!”), mas com orientação, podem aprender a escutar sem julgar.
👧 Exemplo: Se dois irmãos discutem porque um quer ver um filme e o outro não, em vez de decidir quem tem razão, podes dizer: “Tu estás chateado porque querias outro filme, e o teu irmão está aborrecido porque sente que ninguém o ouve. Como podemos resolver isto juntos?” Este tipo de intervenção não resolve apenas o conflito — ensina a reconhecer e dar espaço às emoções dos outros.
5. Partilhar Histórias Pessoais
As crianças ligam-se através de histórias. Partilhar uma memória onde sentiste empatia por alguém, ou onde alguém foi empático contigo, ajuda a dar exemplos reais e humanos. As histórias criam pontes entre gerações e mostram que a empatia está presente em todas as fases da vida.
📝 Exemplo: “Lembro-me de quando a minha amiga estava triste porque o cão dela tinha fugido. Eu fui visitá-la e ficámos a desenhar juntos. Não resolvi o problema, mas acho que ela se sentiu menos sozinha.” Depois de partilhar, podes perguntar: “E tu, já fizeste algo parecido por alguém?”
6. Envolver as Crianças em Atos de Cuidado
Participar em ações de solidariedade, cuidar de um animal ou ajudar um familiar são formas muito concretas de ensinar empatia às crianças. Estas experiências reforçam a ideia de que os nossos gestos podem melhorar o dia de alguém e que pequenos atos fazem a diferença.
💡 Ideias práticas:
- Preparar um lanche para um vizinho idoso e ir entregá-lo com a criança;
- Fazer um desenho ou carta para alguém que está doente ou triste;
- Ajudar a preparar uma refeição para um familiar que teve um dia difícil.
O importante não é o tamanho do gesto, mas o significado que ele carrega.
7. Reforçar o Comportamento Empático
Quando a criança demonstra empatia, reforça esse comportamento com reconhecimento positivo. Não é preciso elogiar em excesso, mas reconhecer a atitude. O reforço pode ser verbal, através de um comentário, ou não-verbal, como um sorriso ou um abraço.
👍 Exemplo: “Gostei de ver como ajudaste o teu amigo quando caiu. Isso mostra que te importas.” Podes também perguntar como se sentiu ao ajudar, para que a criança associe empatia com bem-estar emocional.
Com o tempo, a empatia deixa de ser algo ensinado e passa a ser um reflexo natural.
E Quando a Empatia Parece Não Estar Lá?
Nem todas as crianças demonstram empatia da mesma forma. Algumas são naturalmente mais sensíveis; outras precisam de mais tempo, modelos e apoio. Não significa que não tenham empatia — significa que ainda não a sabem expressar ou que não se sentem seguras para o fazer.
Se uma criança ri quando outra cai, pode estar a sentir desconforto e não saber o que fazer. Pode ser um riso nervoso, não maldade. Em vez de repreender, podemos dizer: “Achas que o teu amigo está magoado? O que poderias fazer para ajudar?” Estas perguntas orientam a criança a sair de uma reação automática e entrar num espaço de reflexão.
Também é importante respeitar o ritmo da criança. Empatia não se força — constrói-se com tempo, exemplos e ligação emocional segura.
Conclusão
Ensinar empatia às crianças não é um processo rápido nem automático. Mas é um dos investimentos mais valiosos que podemos fazer. Uma criança empática torna-se um adulto mais consciente, mais respeitador e mais capaz de construir relações saudáveis.
Ao darmos nome às emoções, modelarmos comportamentos positivos e criarmos oportunidades para sentir com o outro, estamos a construir um mundo mais humano — um gesto, uma palavra e um coração de cada vez.
Referências:
- Denham, S. A., Bassett, H. H., & Wyatt, T. (2012). The socialization of emotional competence. In J. Grusec & P. Hastings (Eds.), Handbook of Socialization (pp. 590–613). Guilford Press.
- Eisenberg, N., Spinrad, T. L., & Sadovsky, A. (2006). Empathy-related responding in children. In Handbook of moral development (pp. 517–549). Psychology Press.
- Goldie, P. (2000). The Emotions: A Philosophical Exploration. Oxford University Press.
- Hoffman, M. L. (2000). Empathy and Moral Development: Implications for Caring and Justice. Cambridge University Press.
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