Os Benefícios dos Jogos Emocionais na Terapia Infantil

Os Benefícios dos Jogos Emocionais na Terapia Infantil

 

Imagina uma criança numa consulta de terapia. O terapeuta faz perguntas: “Como te sentes?” ou “O que aconteceu na escola?”. Muitas vezes, a resposta é um encolher de ombros, silêncio ou um simples “não sei”. Não porque a criança não sinta, mas porque ainda não tem as palavras, nem a segurança, para traduzir o que se passa por dentro.

 

É aqui que os jogos emocionais na terapia entram como ferrame ntas transformadoras. Em vez de pedir explicações diretas, o terapeuta convida a criança para brincar. Num jogo, ela pode representar, projetar e até ensaiar emoções e comportamentos. Brincar torna-se a linguagem da terapia: um código que a criança já domina.

 

A psicóloga Virginia Axline, pioneira da ludoterapia, dizia que o brincar é o meio natural de autoexpressão da criança. Assim, quando os jogos emocionais são incorporados nas sessões, não estamos apenas a entreter. Estamos a abrir portas para o autoconhecimento, para o desenvolvimento de competências socioemocionais e, muitas vezes, para a cura.

 

Porque Usar Jogos Emocionais na Terapia Infantil?

 

1. Acesso direto ao mundo interior

Uma das maiores dificuldades na terapia infantil é ultrapassar a barreira da comunicação verbal. Crianças pequenas não conseguem, muitas vezes, explicar “estou ansiosa porque os meus pais discutem”. Mas, através de jogos, a emoção vem à superfície.

 

Exemplo: numa atividade com cartas de emoções, uma criança pode escolher a carta “medo” e dizer: “Foi isto que senti ontem à noite.” De repente, o terapeuta tem uma chave para entrar no mundo interno daquela criança, sem pressão nem julgamento.

 

2. Redução da resistência

Para muitas crianças, estar em terapia é estranho e até desconfortável. Perguntas diretas podem soar ameaçadoras. Mas quando entram num jogo, esquecem que estão “a ser avaliadas”. A brincadeira desarma a resistência.

 

É como se, ao invés de uma conversa cara a cara, a comunicação fosse lado a lado, partilhando uma experiência. O foco deixa de estar em “contar o problema” e passa a estar em “participar no jogo”. A criança baixa a guarda — e é aí que surgem as revelações mais autênticas.

 

3. Desenvolvimento de competências socioemocionais

Os jogos emocionais não servem apenas para expressar o que se sente, mas também para aprender novas competências. Denham et al. (2003) mostraram que crianças que desenvolvem maior consciência emocional são mais empáticas, colaboram melhor com os pares e resolvem conflitos de forma construtiva.

 

Ao jogar, a criança:

  • Aprende a identificar emoções (em si e nos outros).
  • Desenvolve a empatia ao ouvir diferentes perspetivas.
  • Treina a comunicação emocional, essencial para relações saudáveis.

É um verdadeiro laboratório social em miniatura.

 

4. Regulação emocional

Brincar envolve regras, turnos, imprevistos… e, por vezes, perdas. Tudo isto cria pequenos desafios emocionais que ajudam a treinar o autocontrolo.

Exemplo prático: ao jogar um jogo de tabuleiro em terapia, a criança perde uma jogada e sente frustração. O terapeuta pode intervir e perguntar: “O que sentiste agora? O que poderias fazer em vez de atirar as peças ao chão?” Assim, a sessão torna-se um espaço seguro para experimentar, falhar e tentar outra vez.

Estes momentos são treino real de autorregulação, sem o peso dos contextos sociais do dia-a-dia (escola, família), onde as consequências podem ser mais duras.

 

5. Fortalecimento da relação terapêutica

A relação entre terapeuta e criança é a base de qualquer processo terapêutico. E os jogos emocionais facilitam essa ligação. Quando o terapeuta se senta no chão para jogar, comunica: “Estou contigo, no teu mundo.”

Este gesto de proximidade cria confiança e abertura. Para muitas crianças, o simples facto de o adulto entrar no jogo já transmite segurança. É nessa confiança que se constrói a possibilidade de abordar emoções mais difíceis, como a tristeza, a vergonha ou a raiva.

 

Exemplos de Jogos Emocionais na Terapia Infantil

 

Jogos de identificação de emoções

Utilizam baralhos de cartas com expressões faciais, imagens ou situações. A criança escolhe uma carta e é convidada a contar uma história ou a relacioná-la com a sua experiência. Benefício: aumenta o vocabulário emocional e a consciência das próprias reações.

 

Jogos de dramatização

Incluem mímicas, encenações ou teatro de fantoches. A criança representa emoções diversas, ora de forma exagerada, ora subtil.
Benefício: melhora a capacidade de reconhecer e expressar emoções, além de aumentar a empatia ao representar o lugar do outro.

 

Jogos de partilha

Envolvem perguntas abertas como:

  • “Conta um momento em que tiveste medo.”
  • “Qual foi a parte mais feliz do teu dia?”

Benefício: promovem reflexão, escuta ativa e construção de vínculos.

 

Jogos de resolução de conflitos

Propõem dilemas do dia-a-dia:

  • “Um colega não te deixa brincar. O que fazes?”
  • “Ficaste de fora do jogo na escola. Como reages?”

Benefício: desenvolvem empatia, pensamento crítico e estratégias de coping construtivas.

 

Jogos de tolerância à frustração

Incluem jogos de tabuleiro ou desafios com regras claras, em que a criança pode perder.
Benefício: ensinam que falhar não é o fim, mas parte do processo. Trabalham paciência, resiliência e flexibilidade.

 

Evidência Científica

A literatura científica apoia amplamente o uso de jogos na terapia infantil:

  • Kaugars & Russ (2009) mostraram que o brincar estruturado facilita a expressão emocional e melhora a competência social.
  • Ray et al. (2015) concluíram, numa meta-análise, que a ludoterapia tem efeitos positivos significativos em autoestima, comportamento e regulação emocional.
  • Denham et al. (2003) reforçam que crianças com maior competência emocional têm melhores relações interpessoais e maior sucesso académico.

Estes resultados sustentam a prática clínica: jogos emocionais não são “apenas brincar”, são uma estratégia baseada em evidência.

 

Como Integrar Jogos Emocionais na Terapia

  1. Adapta à idade
    Crianças pequenas podem usar cartas com imagens simples; adolescentes beneficiam de dilemas mais complexos ou jogos que envolvam autorreflexão.
  2. Escolhe com propósito
    Decide se o foco é trabalhar ansiedade, raiva, empatia ou autoestima. O jogo deve estar alinhado com o objetivo terapêutico.
  3. Dá espaço para reflexão
    Após o jogo, cria momentos de conversa: “O que sentiste quando perdeste?” ou “Foi difícil esperar pela tua vez?”. É nessa reflexão que a aprendizagem se consolida.
  4. Integra pais e educadores
    Sempre que possível, sugere que os jogos sejam usados também em casa ou na escola. A consistência entre contextos aumenta o impacto.

 

Conclusão

Os jogos emocionais na terapia infantil são muito mais do que uma forma de entreter. São ferramentas terapêuticas que permitem à criança expressar-se, compreender-se e aprender novas formas de lidar com o mundo.

 

Cada jogada, cada carta escolhida, cada história inventada é um passo no desenvolvimento emocional. Brincar, quando usado com intenção terapêutica, pode ser a ponte entre silêncio e palavra, entre dor e resiliência, entre desafio e crescimento.

 

E talvez este seja o grande poder dos jogos emocionais: mostrar que, mesmo nas situações mais difíceis, é possível aprender a sentir, a comunicar e a crescer brincando.

 

Referências

  • Denham, S. A., Blair, K. A., DeMulder, E., Levitas, J., Sawyer, K., Auerbach–Major, S., & Queenan, P. (2003). Preschool emotional competence: Pathway to social competence? Child Development, 74(1), 238–256.
  • Kaugars, A. S., & Russ, S. W. (2009). Assessing preschool children’s pretend play: Preliminary validation of the Affect in Play Scale–Preschool version. Early Education and Development, 20(5), 733–755.
  • Ray, D. C., Armstrong, S. A., Balkin, R. S., & Jayne, K. M. (2015). Child-centered play therapy in the schools: Review and meta-analysis. Psychology in the Schools, 52(2), 107–123.

 

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