Quando ouvimos falar em "inteligência emocional", pensamos muitas vezes em adultos no local de trabalho, em líderes empáticos ou em alguém que sabe lidar com o stress. Mas a verdade é que a base dessa inteligência constrói-se muito antes, na infância. E uma das formas mais eficazes — e naturais — de ensinar inteligência emocional às crianças é através dos jogos educativos.
As crianças aprendem melhor quando estão envolvidas, quando se divertem e quando sentem que o que fazem tem significado. É aqui que os jogos educativos brilham. Mais do que simples entretenimento, estes jogos funcionam como pontes para o mundo emocional infantil, ajudando a nomear sentimentos, perceber o impacto das emoções e desenvolver competências como empatia, autocontrolo e resiliência. São pequenos laboratórios emocionais onde os erros não têm consequências graves, mas sim potencial de aprendizagem.
A ciência por trás do jogo
Vários estudos têm demonstrado o impacto positivo dos jogos educativos no desenvolvimento da inteligência emocional. Denham et al. (2012), por exemplo, analisaram crianças em idade pré-escolar que participaram em atividades estruturadas com foco na expressão emocional. Ao longo de várias semanas, estas crianças mostraram maior capacidade de identificar emoções, tanto em si mesmas como nos outros, e maior facilidade em lidar com situações sociais desafiantes. Mais do que isso, o estudo indicou que essas competências emocionais estavam associadas a um melhor desempenho académico.
Outro estudo, conduzido por Greenberg, Kusché e Riggs (1995), analisou o programa PATHS (Promoting Alternative Thinking Strategies), que integra jogos e atividades lúdicas para promover o autocontrolo e a empatia. Os resultados mostraram uma melhoria significativa na capacidade das crianças regularem as suas emoções, resolverem conflitos e manterem relações positivas com os colegas. Ou seja, ao trabalhar as emoções, trabalhava-se também o comportamento e o sucesso social.
Jogar é coisa séria
Há quem ainda acredite que jogos são apenas distração. E aqui está a parte controversa: brincar não é o oposto de aprender — brincar é aprender. Quando uma criança joga, está a testar hipóteses, a experimentar reações, a simular o mundo real em escala reduzida.
Vamos imaginar um jogo como um “ensaio geral” da vida. Tal como um ator ensaia para estar preparado quando sobe ao palco, uma criança, ao jogar, está a ensaiar como reagir perante emoções reais — como lidar com a frustração de perder, como esperar pela sua vez, como ajudar alguém que está triste. O jogo oferece contexto, emoção e consequência, mas num ambiente seguro.
Pensemos nos jogos educativos como pequenas sementes. Não vemos os frutos de imediato, mas eles crescem de forma silenciosa, nas atitudes, nas palavras e nas escolhas emocionais que as crianças farão anos depois.
Exemplos práticos de como os jogos desenvolvem a inteligência emocional
· Reconhecimento emocional: jogos que pedem para imitar expressões ou identificar emoções em cartas ou imagens ajudam a criança a construir o seu vocabulário emocional. Saber dizer "estou frustrado" em vez de apenas "estou maldisposto" já é meio caminho andado para resolver um problema.
· Empatia e perspetiva: jogos colaborativos, onde é preciso trabalhar em equipa ou imaginar o que o outro está a sentir, são fundamentais para cultivar a empatia. Num jogo em que a criança tem de ajudar um personagem triste a encontrar uma solução, ela está a treinar o cérebro para se colocar no lugar do outro.
· Autocontrolo: qualquer jogo com regras — seja um jogo de cartas ou de tabuleiro — obriga a criança a esperar, a seguir instruções, a lidar com a frustração e a adaptar-se. Não ganhar, por exemplo, é uma das formas mais eficazes de trabalhar a gestão emocional, desde que haja suporte e validação emocional por parte do adulto.
· Expressão emocional: jogos como o "Sabes Quem Tu És?" — que convidam os jogadores a partilhar histórias pessoais, crenças sobre emoções e expressar-se através da mímica — são exemplos claros de como o jogo pode abrir espaço para conversas profundas, mesmo com os mais jovens.
E quando o jogo gera conflito?
É importante não romantizar: nem todos os momentos de jogo correm bem. Às vezes há birras, zanga, competição em excesso. Mas é precisamente nesses momentos que o jogo se revela mais poderoso. Porque permite que os adultos intervenham, orientem e transformem o conflito em aprendizagem.
Se uma criança se zanga por perder, isso não é um falhanço do jogo — é uma oportunidade. O adulto pode ajudar a criança a identificar o que sentiu, a normalizar essa emoção (“é normal ficares chateado”) e a encontrar estratégias (“o que podes fazer da próxima vez?”).
Portanto, o jogo não evita as emoções difíceis. Ele expõe essas emoções num ambiente protegido e oferece a possibilidade de aprender com elas.
Um recurso para pais e professores
Os jogos educativos não são apenas para a escola. Pais que jogam com os filhos estão a construir um canal de comunicação mais forte, onde o tema das emoções deixa de ser tabu. Jogar é também uma forma de mostrar disponibilidade emocional — de estar presente, sem julgamentos, e de aprender em conjunto.
Na escola, os jogos educativos são um complemento valioso a qualquer currículo de educação socioemocional. Eles dão vida aos conceitos, transformam teoria em prática, e ajudam as crianças a interiorizarem valores como respeito, escuta ativa e solidariedade.
Conclusão
Ensinar inteligência emocional não se faz apenas com palavras — faz-se com vivências. E os jogos educativos oferecem exatamente isso: experiências significativas, onde as emoções têm espaço para ser sentidas, expressas e compreendidas.
Numa era onde se fala tanto de competências do século XXI, como empatia, colaboração e comunicação, ignorar o papel dos jogos educativos seria como tentar ensinar natação sem entrar na água. Se queremos crianças emocionalmente inteligentes, precisamos de lhes dar oportunidades para treinar essas competências com as mãos, o corpo, o coração... e com um dado ou um baralho de cartas à mistura.
Afinal, o jogo pode ser a brincadeira mais séria que há.
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